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24 Abr 2024

| diretor: Porfírio Silva

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Opinião

AUTOR

António Correia de Campos

DATA

16.12.2015

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Os talentos

O Governo está perante um contexto completamente novo: a negociação permanente. Nada de dramático, só que não está nos nossos hábitos. A separação de poderes e a escassa parlamentarização do regime levaram a que os governos estivessem sempre fora do Parlamento. Não eram dele emanados, muitos dos governantes nem sequer haviam sido parlamentares (ao contrário do que ocorre na maioria das democracias do centro da Europa), mal conhecem os deputados e ainda menos as respetivas circunscrições e tendem a pensar que a maioria das suas funções são executivas, quando muito reservando talentos negociais, se é que os têm, para a disputa com as corporações e “stakeholders”.

 

Os governos, em Portugal, tendem a olhar o Parlamento como uma entidade longínqua, que eles observam da bancada frontal e com quem trocam animosidades ou cumprimentos de circunstância. Nunca lhes passou pela cabeça que a grande negociação para aprovar linhas de conduta tem agora que ser feita com o Parlamento. Quando ocorriam jornadas parlamentares, os governantes apareciam lá como convidados, conferencistas doutos, se não mesmo pastores em pregação. Tudo terá que ser diferente, agora.

A mudança nasce da forte dependência atual do Governo em relação à maioria parlamentar. Por um lado, a maioria é inorgânica, divide-se em três correntes. Por outro lado, cada corrente conta para o apoio necessário. O que obriga os governantes a terem que aprender o que só alguns tenham escassamente praticado: a negociação com todas as forças representadas, quer da oposição, quer as que é suposto apoiarem o Governo. Uma grande viragem cultural. Certamente os membros do atual Governo, em geral bem selecionados e gozando ainda de respeito alargado de fora da maioria, são suficientemente inteligentes para terem antecipado esta mudança e se terem preparado para ela. Não basta saber como dirigir a administração, o que provavelmente será até coisa nova para alguns. Vão ter necessidade de discutir as medidas mais importantes e agudas com parceiros de apoio crítico. O que exige conhecimento profundo dos problemas, espírito de abertura e imensa paciência. O mais fácil de alcançar será o primeiro dos condimentos. O segundo só se aprende com os primeiros erros. E a terceira cultiva-se. Dir-me-ão que alguns nascem já talhados para a arte negocial. Ainda bem. Mas advirto que toda a experiência passada conduz a comportamentos onde a autoridade tende a superar a impaciência.

Não devemos desesperar com as primeiras delongas e alguns fracassos iniciais. O ser humano aprende mais com as consequências do erro que com a docência dos anciãos. Haverá decisões escusadas e saídas em falso. O importante será o conhecimento dos dossiers, a humildade na postura e a focagem em metas e objetivos. Muitos problemas podem esperar, pelo que o tempo nem sempre será a variável crítica. Mas convém não abusar. Não haverá segunda oportunidade se a primeira falhar. Os talentos necessários cultivam-se e levam tempo a adquirir.

AUTOR

António Correia de Campos

DATA

16.12.2015

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EDIÇÃO Nº1418
Janeiro 2024