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26 Abr 2024

| diretor: Porfírio Silva

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Opinião

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António Correia de Campos

DATA

29.03.2016

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Deformação Profissional ou ideologia?

O que mais saliento na comunicação de ontem (28.03.16) do Presidente da República é a referência positiva aos propósitos orçamentais de recuperação social, sinal evidente de coincidência de objetivos com o Governo para atenuar os desníveis sociais que a anterior coligação acentuou dramaticamente.

 

Nunca é demais lembrar que estamos ainda com 18% de pobreza e 25% no limiar dela; que temos 12% de desempregados registados e não contamos os que ultrapassaram o período de subsídio, os desiludidos de procurar emprego, os estagiários e os que emigraram acima de cem mil por ano; que todos os subsídios sociais haviam sido drasticamente reduzidos, só parcialmente supridos por um assistencialismo que diminui a cidadania e agrava a dependência. Recuperar a parte visível e também a invisível do iceberg da pobreza e da indignidade foi um dos cimentos da atual maioria. Ver o Presidente Marcelo referir esses objetivos e com eles parecer concordar é um sinal de otimismo.

Ao longo de muitos anos de convívio com economistas de formação, fico sempre surpreendido pela secundarização que no seu pensamento ocorre, em relação à questão das desigualdades. Reconheço muito honrosas exceções e nomeio algumas que melhor conheci: José da Silva Lopes, grande macroeconomista que já nos deixou, Manuela Silva e Alfredo Bruto da Costa, competentes especialistas em planeamento económico e dos mais persistentes lutadores contra o fatalismo da mão invisível; todos eles defensores de o Estado prevenir e ocorrer a crónicas falhas de mercado. São poucos os economistas atentos à distribuição e desigualdades, embora se preocupem igualmente, como lhes cumpre, com a geração de riqueza que as resolva. Questão de deformação profissional ou mero preconceito ideológico? Pressão invisível do mainstream ou escassez de instrumentos operacionais, quando o planeamento saiu de moda?

Não vejo na maioria dos engenheiros, juristas, sociólogos, estes receios do social e a glorificação do mercado. Pelo contrário, reconheço-os mais abertos e menos preconceituosos, talvez por a sua formação usar modelos e factos reais e não hipotéticos ou esquemáticos e redutores. A um Presidente como o anterior seria difícil usar o conteúdo da comunicação de ontem, esqueçamos a forma, a quilómetros de distância. Mas lembro-me de Presidentes como Sampaio, Soares e Eanes se preocuparem e se exprimirem em termos muito semelhantes. Quero eu dizer que temos que mudar o mainstream? Só o tempo e a realidade o conseguem, veja-se a relutância dos atuais dirigentes da Europa em arrepiar caminho, embora progressivamente reconhecendo os erros cometidos nos últimos cinco anos, ou a dissonância quase patológica entre o que diz Lagarde e escrevem ideólogos do FMI e o comportamento dos funcionários que compõem as missões, obedientes a uma cartilha já vista como errada. Como em tudo, a experiência é mãe do conhecimento; antecipar a anulação de erros, ou como diz o PSD fazê-los reverter, é um imperativo da moral. Sobretudo quando o dirigente máximo da oposição recusa qualquer aproximação ao real. Não é ideologia apenas, é sobretudo teimosia.

AUTOR

António Correia de Campos

DATA

29.03.2016

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EDIÇÃO Nº1418
Janeiro 2024